sexta-feira, julho 25, 2008

De ti para mim.

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,


gastámos as mãos à força de as apertarmos,


gastámos o relógio e as pedras das esquinas


em esperas inúteis.



Meto as mãos nas algibeiras


e não encontro nada.


Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!


Era como se todas as coisas fossem minhas:


quanto mais te dava mais tinha para te dar.



Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!


E eu acreditava!


Acreditava,


porque ao teu lado


todas as coisas eram possíveis.


Mas isso era no tempo dos segredos,


no tempo em que o teu corpo era um aquário,


no tempo em que os teus olhos


eram peixes verdes.


Hoje são apenas os teus olhos.


É pouco, mas é verdade,


uns olhos como todos os outros.



Já gastámos as palavras.


Quando agora digo: meu amor...


já não se passa absolutamente nada.



E, no entanto, antes das palavras gastas,


tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam


só de murmurar o teu nome


no silêncio do meu coração.



Não temos nada que dar.


Dentro de ti


Não há nada que me peça água.


O passado é inútil como um trapo.


E já te disse: as palavras estão gastas.



Adeus.

Poema de Eugénio de Andrade