"O mundo é um palco:
E todos os homens e mulheres simples actores: têm as suas saídas e entradas, e, em vida um só homem tem vários papéis, tendo os seus actos sete idades. Primeiro o infante, berrando e bolsando no colo da ama; depois o aluno lamuriento, de sacola e cara lavada, pela manhã, arrastando-se contrafeito para a escola; depois o amante, suspirando como um fole, com uma balada triste para as sobrancelhas da amada. Depois o soldado, de juras estranhas e barba pantera: cioso da sua honra e pronto para a luta, procurando essa bola de sabão chamada glória, mesmo na boca de um canhão. Depois vem a justiça, de bela barriga inchada à custa de capão, de olhos severos e barba bem cortada, todo ele é provérbios sábios e lugares-comuns; E assim cumpre o seu papel. A sexta idade vem de calças magras e chinelos, óculos na ponta do nariz, bolsa a tiracolo e grevas conservadas da juventude, imensas para as pernas mirradas; e o seu vozeirão másculo, regressando ao tremor da infância, modula-se em chiadeira e assobios. A cena fecha, esta estranha e acidentada história é a segunda infância e total oblívio, sem dentes, sem olhos, sem gosto, sem nada."
Foi assim que Shakespeare olhou o mundo, foi assim que Shakespeare tornou real a analogia perfeita da vida das mil e umas personagens: oh teatro, nós curavamo-nos perante ti!
Lembro-me ainda de quando o início se fez anunciar ao grande palco, foi sublime porque me trouxe para junto de todos vós: as personagens mais pitorescas que podiam contracenar por todos este actos (vividos e por viver)...
Ao início seguiu-se tantas outras cenas, fomo-nos tornando aos poucos mais modelados, a nossa centralidade foi-se revelando, estávamo-nos,inconscientemente, interprentando-nos simultaneamente, estávamo-nos adornando em vestes coloridas e com um gosto saudoso de perenidade: dera-se forma à amizade; e nesse dia, outrora e agora, fora Ela que brilhara nas luzes da ribalta!
Multiplicamo-nos em tantas outras vidas, de súbito pintavamos a mesma obra que Deus e das nossas mangas faziamos deslizar laivos de humanidade: O Berto, O trabalhador 1, 2 e 3, o Vladimir, o Estragon, o professor e a rapariga, a Momina, a Diva, a Cassandra...tantos, mas tantos...
Que não sejam esquecidos todos os ensaios, todos os improvisos surreais que se arrastavam até à uma da tarde, todas as vezes que um simples olhar nos condenava ao riso desmedido, todas as conversas ao fundo da sala( essas que se pronunciavam sempre de mansisnho até que lhes perdiamos o controlo e,sem menos esperar, eramos silênciados, em tom de reprovação), todas as falhas de texto, mesmo as de palco, todo o nervosismo que fazia amarmo-nos um pouco mais, todas as vezes que me faltou a voz (lamento), todos os exercícios de relaxamento da Mariana, todos os abraços da Élia, todas as pizzas do Miguel e todo o seu animo, todas as gargalhadas da Elisa, todas as palavras sábias da Leonor, todas as histórias da Raquel, todo o cepticismo do Jorge (que nos mantém de uma forma ou outra numa agitação desenvolta), todo o stress da Ana, mas toda a sua ternura para connosco, todos os sorrisos da Madalena, Rita, Inês, Mariana Prazeres, Martim,José, Sara: ali somos um Todo que não se cança dos mesmos rostos, nem das mesmas piadas, temos o gosto de cada um cravado na alma.
Um dia serei eu que vos admirarei sentada na fronteira, que agora nos torna irmãos, aplaudir-vos-ei, com muito gosto, com tanto gosto...Com toda a certeza brilharam, já fazem-no!
Gosto de todos vós! "Gosto-vos" com um gosto mais apurado de felicidade.
Esta é a minha última cena, trago comigo saudade, saudade, saudade...!