sexta-feira, dezembro 29, 2006





A viagem


A viagem mostrava-se longa, de todo cansativa, maçadora, incontestavelmente fastidiosa. O jornal lera-o eu já tantas vezes que as palavras, já gravadas como memórias, saltavam descuidadamente, tão céleres como um leve suspiro; bastaria o empregado, carregando o carrinho dos "snacks", me perguntar se desejaria algo, para de imediato responder com as conjecturas que terão levado a cabo a guerra no Iraque. Faço do jornal, do discurso alheio, a minha própria linguagem, certamente para me tomarem como intelectual prestigiado, o que de facto não o sou, mas a verdade é que se as palavras de Sócrates, Pessoa ou até mesmo Nietzsche aflorassem na vulgaridade de uma boca tão comum, talvez, não tivessem enraizado em moldes imutáveis, em grandes sumas, em conclusões geniais. Por vezes no discorrer de minha mente, encontro, por instantes, pensamentos, ideais de tão voluptuosa força que me fazem crer na ainda possível criatividade, essa que tanto julgo esgotada, no entanto quando dou por mim já tudo foi dito e sem saber, na mais pura das inocências plagiei. Criatividade: eloquência platónica!
O comboio que se desloca a uma velocidade constante, as leis da física, a inércia, a resistência que o corpo oferece às mudanças de movimento, as leis de Newton, o meu corpo que permanece em constante degradação, o Eu que não oferece oposição às mudanças, o mundo que se movimenta, eu que continuo estático. Afinal, também me aplico à inércia, ou por outra, a inércia ao se aplicar a mim, apoderou-me; agora tenho a alma transcrita nas leis da física, pronta para que qualquer um a compreenda, a decore, a analise...O comboio e Eu: os mesmos; a constância; a uniformidade!
Se soubesse dizer quantas pessoas embarcam nesta inércia...
Um bilhete, um de ida, talvez de volta, talvez ida e volta, o mesmo ramerrão, a vida que tem ida, a vida que não tem volta e no fundo as voltas que são sempre mais uma das idas, idas de regresso, mas sempre idas, sempre rotina, sempre inércia.

quinta-feira, dezembro 28, 2006


Radiohead - Creep
When you were here before,
Couldn't look you in the eye.
You're just like an angel,
Your skin makes me cry.
You float like a feather,
In a beautiful world
I wish I was special,
You're so fucking special.
But I'm a creep, I'm a weirdo.
What the hell am I doing here?
I don't belong here.
I don't care if it hurts,
I wanna have control.
I wanna a perfect body,
I wanna a perfect soul.
I want you to notice,
When I'm not around.
You're so fucking special,
I wish I was special.
But I'm a creep, I'm a weirdo.
What the hell am I doing here?
I don't belong here
She's running out again,
She's running,
She run, run, run, run, run.
Whatever makes you happy,
Whatever you want.
You're so fucking special,
I wish I was special,
But I'm a creep, I'm a weirdo.
What the hell am I doing here?
I don't belong here,
I don't belong me.

terça-feira, dezembro 26, 2006



PALAVRAS
Às vezes irrita-me não saber quantas são as palavras que vêem no dicionário, não ser dona de toda a semântica do mundo inteiro, quem me dera a mim...as letrinhas limitadas, bem feitinhas, num papel fenomenalmente branco, escondendo as imperfeições que tornam o branco pouco branco, o branco é feito de todas as cores, as outras cores: as imperfeições; as palavras que só vivem no mundo branco da banalidade...Vocabulário popular, todos usam-no, ditam-no com razão, sem razão, e eu a desejar ser a criadora do meu discurso, num mundo tão extenso, mesmo se com uma prosódia desigual, o diálogo torna-se num dejá-vu...E então? Amaldiçoar Gregos e Romanos pelo alfabeto que herdámos? Talvez...Mas, na minha humilde forma, falta-me a coragem. Falta-ma? não! A ousadia que me penetra o estado cognitivo, vou inventar novas letras, letras que se desenhem com todas as cores que é feito o branco, letras que conjugam somente o que é fundamental. Letras para te dizer que te AMO, como ninguém no mundo diz, palavras que suportem tudo o que me faz desejar-te!

segunda-feira, dezembro 25, 2006



Saudade
Já dói a alma, é difícil estancar a ferida aberta...é difícil? é impossível...e enquanto a saudade me vai corroendo por dentro, eu vou esperando por ti, os meus olhos só vêem o teu rosto, eu só oiço a tua voz...e enquanto gritam lá fora, chamando o meu nome em vão, pedindo que viva, eu vou cantando o teu nome, a eles não os quero...e enquanto espero, vivo por ti...e enquanto o sangue me abandona e eu vou suspirando devagarinho, vou chorando a tua ausência, vou perguntar "quando voltas meu amor?"...vou morrendo aos poucos...ficando só de mim o meu amor, porque esse é eterno...enquanto o tempo existir, enquanto o universo permanecer e mesmo com o fim de tudo delimitado, Amor será palavra que só tu poderás proferir...

domingo, dezembro 24, 2006

sábado, dezembro 23, 2006



Natal, sempre Natal
NATAL! Palavra já muito enraizada no nosso vocabulário, importada das tradições pagãs, pois da nossa à que solicitar o menino Jesus e não o famoso Pai Natal, e que constitui o imaginário de qualquer criança, custar-nos-ia se deste modo não fosse.
Embora actualmente seja mais o espírito consumista que perdure (basta ligar a televisão, basta tomar atenção aos anúncios) e ainda que esta seja a maior preocupação natalícia, o que talvez explique o meu crescente desinteresse por esta quadra, continuo teimosamente a alimentar uma ansiosa expectativa de que algo de absolutamente fabuloso venha a acontecer...uma leve chama, que perdura à sempre experiência de que o dia de Natal é tão comum como a simples segunda feira quotidiana, em que lá me vejo obrigada a levantar às seis da manhã, se não, e se me atrevo, pior, visto que, ao soar da meia noite no relógio, a frustração invade a casa, nada de novo, a frustração inevitável de quem ainda espera pela magia desta época, que afinal abunda em todos os livros e filmes que fundaram a minha infância, de certa forma é a pequena ligação que me faz ficar presa a esse mundo..Ainda que qualquer dia a chama se venha a apagar definitivamente e eu talvez deixe de acreditar, assim parece ser com tanta gente...
E todavia esta seja a minha infeliz perspectiva natalícia, seria pouco inteligente não louvar ainda que seja a felicidade que parece surgir com maior espontaneidade nos rostos que encontro, Muito Obrigado!
O que ainda é fundamental louvar, louvar hoje e sempre, é a importância desses seres humanos que curiosamente e surpreendentemente preenchem a nossa vida, não são meros rostos, são sim os verdadeiros "presentes", por isso muito obrigado a todos que de uma forma ou outra já me fizeram sorrir e a todos um FELIZ NATAL!

sexta-feira, dezembro 22, 2006



NINGUÉM
Nas profundezas do alto mar ouvem-se gritos trémulos, nas profundezas do mar alto mataram-se as sereias, trouxeram-se corpos náufragos de alma, nas profundezas do mar alto somos mais que marinheiros, somos menos que Homens, somos capitães há busca de vida...
Há muito que perdi a minha Terra de vista, mesmo antes que esta aceitasse os quilómetros que dela corri, já eu não a achava em mim. Fugiu-me pelas veias...Abandonámo-nos mutuamente. Eu vivia numa barraquita, construída ilegalmente pelo meu pai (pai que já não tenho), com a minha mãe e os meus doze irmãos. Nestes últimos tempos (por lá o tempo não se limita a passar, ele corre com o vento e corre ainda mais célere em ti), a minha mãe adoeceu gravemente, ou por outra: a minha mãe preparava-se para a morte, porque em terra de pobre ninguém fica doente, não o pode fazer, e quem o faz, fá-lo com o termo bem vincado no corpo; ou se vive, ou se morre. Já todos trabalhávamos, mesmo as crianças, todos trabalhávamos, todos sucumbíamos à fortuna da não identidade: não éramos, jamais seríamos Humanos, limitávamo-nos ao título de seres à luta pela sobrevivência. Não sonhávamos, não conversávamos, não brincávamos; deambulávamos, matávamo-nos por um pedaço de pão. Quando a minha mãe por fim faleceu, enterramo-la no quintal. Fui eu e o meu irmão mais velho que cavamos a vala, eu via como a humilhação lhe escorria pela cara, como fazia a todos nós..."Merecias mais do que um buraco no chão, mãe, merecias o mundo inteiro em lágrimas!", exaltávamos esta frase no silêncio da mágoa, mas não a proclamamos...ninguém se atrevia a falar, pois no exacto segundo que o fizéssemos seriam gritos de dor: fala-se do que se conhece e por lá é tudo quanto é comum. Foi então que prometi a mim mesmo: comigo será diferente!
Hoje, num barco tão mais do que pequeno, à deriva no oceano, somos 14, metade do que fomos, não sei se chegarei vivo. Ironicamente, deixei a morte sentenciada pela morte de quem ousa ambicionar...é caso para dizer que não me arrependo!
Calculamos mal os suplementos alimentares necessários, agora só resta uma bolacha por cada dia, a cada um, e a água bebemo-la do mar. Já todos gritamos com todos, quando a sorte tende a se perder o hábito é procurar um culpado, no entanto mantemo-nos todos unidos à fé de chegarmos intactos a melhor pátria, de uma maneira ou outra sabemo-nos irmãos no mesmo sonho.
Vi quem morresse à fome por um sonho, vi quem endoidecesse por ele e por ele se matasse. O sonho de sermos Alguém vale a vida de quem não é Ninguém!

terça-feira, dezembro 19, 2006





À ESPERA


Ás vezes quando dou por mim já fui levada para junto de ti e sem que me aperceba estás-me tu a levar contigo...Quantas vezes já não aconteceu? Tantas que nem tu nem eu sabemos de cor...de cor sabias tu todas aquelas músicas com que nos braços, de mansinho, me pedias para adormecer, pedido que eu te concedia sempre, só por saber a doçura do teu colo. Lembro-me da melodia, não me lembro dos versos (ainda era tão pequenina), os gestos ficam, as palavras leva-as o tempo. Gostava do teu cheiro, em pleno Inverno fazias-me querer na Primavera e eu leda acreditava, como quando me beijavas eu achava sempre que os teus lábios eram de seda, até te perguntei ( e tu o que disseste? riste-te?)! Fazias-me crer que o mundo ficava já ali diante de mim, que aquela era a vida, cheia de sensações coloridas...Porque não me revelaste que afinal o mundo aglutinava todos os seres humanos, e não só nós duas? porque não me contaste que a vida é como o jogo das escondidas (há quem vem e quem vai)? porque não me avisaste que te ias esconder para nunca mais voltar?!...tive de aprender a jogar sozinha. Agora com trinta anos feitos continuo à espera que me digas o teu esconderijo, trinta anos depois ainda espero por ti mãe!

segunda-feira, dezembro 18, 2006


Se perguntarem por mim digam que voei para o infinito...

domingo, dezembro 17, 2006

O engelho faz me falta, gostava de saber usar com classe as palavras;
Imaginar frases inventadas;
Todas as cores numa mancha branca de papel,
O que queria eu era a perfeição...

Fazer-te ver de que cor é o meu amor
Encarnado, talvez..
Lilás?
Interagir com a tua alma,
Zelar pelo teu coração,
Encontrar-te
Sempre ao meu alcance.

Mesmo sabendo que já tudo foi dito
E que em nada acrescento a todos os poemas de amor
São palavras minhas estas que escrevo
Embora não as mais belas,
São a minha palavra em que sempre te irei amar...



Era uma vez...

Era uma vez uma gotinha a cair em alto mar;
Era uma vez um naufrágio de amores;
Era uma vez um céu rabiscado de cores;
Era uma vez um único crepitar;

Era uma vez e uma única vez...
A vida vem, a vida vai
não à regressão..
Já todos fomos gostas, caímos num vasto mar, aprendemos a navegá-lo, crescemos, em breve já ondas formávamos.
Acontece a todos, tentamos erguer de nós a torre de Babel, queremos chegar ao géneses da euforia, de amar, fazemos do corpo o leme e este, mais cedo ou mais tarde, naufraga em ilha deserta...Todos nós fomos náufragos um dia! Já fora da vanglória, aquela ousadia tão característica de ondas recém chegadas a mostrarem de sua presença, passa aquela ardência, a alma tem um rabiscado de cores menos garridas, mais brandas. Num crepitar silencioso perde-se uma gota, perde-se um cristal particular, é sina todos nós crepitamos...No entanto, surge outra gosta vinda do céu, chove num mar pobre e rico, porque à sempre quem vem e quem vai. Das nuvens olha quem já passou, do céu quem ainda vai passar.

sábado, dezembro 16, 2006

GOSTAVA
DE SER
O QUE NÃO SOU...
NÃO
APARENTO
O
QUE
QUERIA
SER
PARA
TI
QUERIA
SER
TODA
A VIRTUDE
QUE MERECES
QUERIA
TER
OUTRO
CORPO
PARA
TE DAR

INTERMINÁVEL (COMO O MEU AMOR POR TI)...
Já não sei quantas vezes examinei o tecto, aparentemente branco, já localizei todas as suas nuances, cheguei à conclusão que até mesmo o branco é feito da heterogeneidade das cores, como o ser humano: dum mesmo molde uma variedade vasta. Apesar desta descoberta continuo sem conseguir dormir, são duas da manhã... Se é verdade que todos nós temos insónias, a minha levou-me a um estado latente de solidão, em vez do usual cansaço e irritação que costumam provocar. Todos dormem, somos quatro, eu não durmo, eu estou só...Vem me uma tristeza sufocante, um desespero melancólico, acompanhando-me num NADA que se aconchegou a mim. O meu corpo gelou a alma, é o que se faz aquando do desaparecimento de um dado membro...Quis procurar-te, vagueie casa, vagueie rua, vagueie, vagueie, vagueie...Tu não estás onde te possa encontrar...E fico presa nesta noite fria e densa, fico nesta escuridão perdida, sou um NADA, a tua ausência já me destinou ser incompleta...fazes me falta...na tua ausêcia o tempo pára, faz me prisioneira, porque os dias passam e não há se não noite, porque a dor fica e eu estou num coma irreversível até voltares...Amar-te faz me só existir em ti, sem ti sobra o amar, mas eu sobro só metade...Por isso te peço, porque não sei já viver sem ti, fica comigo para sempre...
AMO-TE E SEMPRE

CIÊNCIA VS RELIGIÃO
Será que integrarmo-nos num globo, o qual não é mais do que um mero planeta em todo o Sistema Solar e que por sua vez é uma pequena fracção de todo o incomensurável Universo, não fará de nós pequenos pigmeus numa existência caótica? ou será que esta mesmo grandiosidade não exige a presença de um omnipotente "arquitecto"? Eis aqui a raiz de conflito entre ciência e religião! Duas perspectivas distintas sobre o mundo e a vida que nos coube, dois saberes, o primeiro empiristico e o segundo transcendental, que, no entanto, partem da mesma fonte: o Homem. Assim, se na vida há dois prismas de observação, qual deles escolher? qual o mais viável? ou ainda em qual confiar? Ciência ou religião?
Creio que a questão aqui jaz na forma como a própeia sociedade tem evoluido, pelo que a contextualização com a mesma é fundamental. Somos um produto de uma sede inesgotável de avanços tecnológicos; actualmente a crença humana tem procurado o tal prisma de vida que oferece uma visão mais exacta e menos abstracta do real; os Homens vivem de valores assentes em critérios pessoais e não absolutos e há muito que repudiamos bases dogmáticas e intemporalmente abaladas, pelo que a religião há muito que deixou de aliciar-nos com o seu prisma. Claro está que muitos considerarão que a preferância num modo empirístico de existência é de todo uma conduta dúbia e incerta, já que das ciências quantas e quantas teorias não foram já refutadas?! Inúmeras é certo e continuarão a sê-lo, já que os meios de verificação experimental serão cada vez mais e melhores. Outro problema ainda se coloca que será o facto de todo o conhecimento e pesquisa ciêntífica nascer do tormento do espírito, na medida em que lhe estão associados sentimentos como a inquietude e até mesmo a frustração. De cada questão resolvida é outra que ressalta e alarga a lista, quase interminável, dos "porquês". Contudo, é desta procura incessante, desta jornada pela magnitude do conhecimento que reside o "exilir da juventude"; a mente quer voar naturalmente e não pode, nem deve, ser "ferrada" com moldes pré-feitos de mandamentos , e fechada em paredes "anti-dilatação", produzidas por dogmas irrefutáveis. Se David afirmou que "Os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos", hoje o céu manifesta algo diferente: a ousadia de transgredir os limites da condição humana...Claro está que seria imprudente até mesmo, se me arrisco, patético ignorar, ou por outra, não reconhecer a influência da religião na esfera cultural, incluindo na nossa própria identidade, porque ignorar o prisma da vida dogmático, não quer com isto dizer que se o tenha de banir ou denegrir-lhe importância! Muitas são as vezes em que a crença na perenidade de algo (seja Deus, ou qualquer outro simbolismo abstracto), especialmente em situações de grande tensão, afaga quem a procura por um conforto e segurança fabulosos, que talvez surja da vontade de estabelecer uma relação antitética à nossa própria condução, condição essa terminável. Enfim, seria como Pascal afirmou: "O coração tem razões que a razão desconhece", todavia ao coração à que por sapiência não deixar reinar sozinho, há que também reinar com a mente.
A cada um cabe o direito de escolha enquanto ao prisma da vida que pretende encarar a sua existência, a cada um cabe o direito de decidir se há-de embarcar numa viágem à volta ao mundo com Darwin ou ficar em terra a rezar...


II
A noite aproximava-se, com ela as 21:30, com ela a presença da misteriosa rapariga, com ela as infinidades que das possibilidades fazem o futuro...li algures acerca do tempo (passado, presente e futuro), dizia o que nunca conscientemente me apercebera ( e inconscientemente?), que a vida é reservada unicamente ao passado e futuro: vivemos no passado e aspiramos o futuro. Cada suspiro, cada palavra dita, cada racionalização é banida do presente por uns tais milissegundos e que nos fazem, de uma certa forma seres irreais (dizer que neste momento "estou vivo" é mentir tão descaradamente quanto o é permitido fazer). E tu, rapariga misteriosa, que fazes neste passado? que farás no exacto segundo seguinte? nem tu o sabes...Talvez se agora lesses os meus pensamentos e achasses tais ideias absurdas, rir-te-ias de mim, chamar-me-ias palerma ( e com razão). Tenho o hábito repugnante e presunçoso de impingir em todos os meus diálogos ou monólogos, citações e opiniões alheias, faze-las crescer de vivacidade à medida que discorro como se partissem da combustão do meu próprio pensamento, tentando inutilmente que me julguem culto, coisa que não sou. Inevitavelmente farei o mesmo contigo, isto se te conseguir encontrar... "Enquanto te esperava morri (...)" de tanto olhar o teu bilhete, olhar não, ver (porque quem olha não vê), tenho a frase presa aos lábios, sabes quantas vezes já a proferi? Inúmeras. Saber o que te vai na alma e perceber o que efectivamente escreveste. Sair da metáfora. Quero vê-la!
O relógio marca as nove horas (deveria dizer "o relógio marcou nove horas", o presente não existe), pego nas chaves do carro, como um bom consumidor não poderia deixar de ter carro, saio de casa, vou para o CCB. De imediato chego, vantagens de morar nos arredores, olho para todos os cantos, procuro-a sem saber o significado do pronome pessoal feminino "a" (eu não te conheço). Dirijo-me para a bilheteira, falavas em "valsa" logo achei como possibilidade estares-te a referir a um concerto de música clássica; a confirmação: de facto, hoje às 21:30 haveria um recital de piano de cinco pianistas prestigiados portugueses, três deles homens e duas mulheres (a ignorância musical: os nomes soavam-me a notas desconhecidas)...Estava em frente a um grande piano e não sabia como nele tocar. Mesmo assim arriscaria, peço por um bilhete, já não há, esgotaram a semana passada. Ignoro as sugestões que me são feitas, ao que parece nó próximo mês, haverá um concerto recomendável, uma orquestra mundialmente conceituada...Desliguei, recusei-me a ouvir o quer que fosse...Amadeu, homem triste, professor frustrado, a crer em probabilidades escassas, em hipóteses absurdas, devias era ter ficado em casa corrigir os benditos testes!
Abandono o recinto, com a pressa havia deixado o carro mal estacionado, como explicar se me passassem uma multa? "Sabe, é que eu com a ânsia de encontrar uma rapariga, que vi uma vês num café e que por acaso deixou um bilhete, que por acaso eu trouxe comigo e.."Situação surrial Amadeu! Apesar da melancolia ainda me atrevi a vislumbrar o céu, vestiu-se com o luar e as estrelas, tive de admitir: estava de facto uma noite aprazível. Não sei quanto tempo perdera eu fitar a lua, mas foi o necessário para me esquecer do carro e da hipotética multa. Se vivesse no Alentejo viria muitas mais estrelas, isto porque lá não há tanta poluição (hoje já todo o lugar está contaminado). Quem sabe se não me mudo para lá, quem sabe se...oiço uma suave melodia, ela cresce à medida que lhe dou mais atenção, decido investigar. Aproximo-me: de costas uma rapariga com um violino, é ela que faz a música do violino ou é este que lhe toca a pauta da alma? Sinto-me tentado em perguntar, contudo a minha incautolosa curiosidade fez com que tropeçasse numa pedra da calçada solta e rapidamente denunciasse a minha bisbilhotice.
Olhou-me com espanto, eu tentava levantar-me o mais discretamente, desejando que não percebesse que a escutara, que a ouvira, pior, que lhe tentava decifrar a alma. Aproximava-se, o reflexo da lua fez com que pudesse observar mais claramente o seu rosto. O assombro da descoberta: encontrei-te mulher mistério! A euforia que me avassalava, confundia a minha capacidade cognitiva, muito tremulamente tirei o bilhete das calças, dei-lho, ela de imediatamente reconheceu-o, perplexa trocava olhares furtivos entre mim e o bilhete. Eu sem saber o que fazia, ela sem saber o que dizer. Eu desejava deixar de ser Amadeu, embrenhar-me de quem era, para envergar a identidade desaparecida que tu esperavas. Tu só querias que eu fosse outro, o outro...
Foste-te embora naquela noite de luar, nem uma palavra chegamos a trocar; ficaste-me no passado, eu ainda penso em ti no futuro, foste como o presente: um mero sonho...

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Dirigida ao Secretário-geral do Controlo da Actividade Cerebral:

Os sonhos. Estado latente da consciência, um coma fundamental…
Acordei em pleno sobressalto, um estado de desespero cuja memória já quase se ilibara …
Acordar: Acto de impor a presença de um indivíduo no mundo.
Por muito que tente, sou incapaz de compreender a razão deste meu despertar desordeiro … Imagino como seria se os seres humanos, ao invés de promoverem a sua continuidade por métodos de reprodução sexuada, proviessem de um “Apeiron”, como defendeu há muitos séculos Anaximandro, um espaço de infinidade, o Todo de Tudo, a quem, por calamidade?, é retirado um pedaço, tão ínfimo do qual pudesse nascer a humanidade… Então toda a vida surgiria num despertar do sonho, um mover de olhos brando que, sem querer, sem sequer suspeitar ,vê-se obrigado a este efémero bater do coração. Se assim fosse que nenhum despertar, se manifestasse, tão ou mais, penoso e assustador como o meu! Mas a realidade, que me comporta, não se revolta contra a existência de “sonhos maus”, para mim “maus despertares”, ou, na sua forma popular, pesadelos, permitindo a sua difusa propagação na mente repousada. Talvez nos devêssemos todos manifestar em prol da disseminação de tais estados ameaçadores das maiores das ociosidades permitidas socialmente, ainda que sujeita a limites claros: Dormir. Admito aqui total parcialidade para com os “dorminhocos”, defendo a paz do descanso, ao fim de contas merecido, sem a necessidade de por um indivíduo em veneração por calmantes ou á mercê de Froid, nomeadamente das suas obras acerca do subconsciente e do significado dos sonhos…Pois se de algum modo os sonhos manifestam a transfiguração de preocupações realistas, ao fim de umas boas noites em claro, a maior das preocupações será, claro está, na ausência de tais transfigurações requintadas e mentais.
É neste sentido que faço um apelo universal a toda a comunidade, imaginária ou verdadeira, para que seja tido em conta uma medida urgente, digo mais, indispensável: que sejam recolhidos todos os despertadores, sobretudo aqueles cuja a maior característica é emitir um ruído agudo insustentável, Séneca que me perdoe, mas a capacidade de sustentar tal estrupido, num canal auditivo por si só sensível, só poderá ser destoante com uma atitude de calma e controlo, mesmo que tal seja a minha fraqueza! Continuo esta minha exigência, solicitando a presença assídua do “Senhor Pestana”! é lamentável que sejamos confrontados com o tremendo incómodo dos corrupios na cama, que afinal de contas é previamente e dedicadamente aperaltada para o momento em causa, não é justo que tal empenho, que tanto sacrifica a coluna, se veja desfeito pela demora e, por vezes, até mesmo falta deste caríssimo senhor…por último gostava de apresentar queixa para com o subconsciente, nomeadamente ao meu, por falta de qualificação e perícia para gerir as aflições/preocupações que nos invadem os sonhos, cujas consequências são depois notórias a qualquer que se designe a olhar para a zona abaixo da vista - as olheiras. É necessária uma fiscalização activa sob este sector e aplicação de sanções, pois só assim haverá mudanças.

Muito Atenciosamente: Ana Cristina.



A
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quinta-feira, dezembro 14, 2006

I

Sentado na esplanada de um café, algures em Lisboa, pouco me interesso por lugares exactos(de qualquer forma sempre tive uma estranha dificuldade em decorar e sobretudo explicá-los a outrem)procurava encontrar a concentração necessária para corrigir a resma de testes que trouxera comigo. De facto, esta era uma das irremediáveis tarefas que me enchiam o peito de ociosidade, ainda que fosse professor de matemática e ainda que o universo de respostas possíveis se convertesse num só valor exacto, apesar dos múltiplos caminhos, a solução só uma. Lembro-me de no liceu o professor Jeremias, professor de Filosofia, que sempre reivindicou a pouca versatilidade da matemática, revoltando-se contra o cariz da lógica formal, aquela necessidade absurda da conclusão derivar veementemente das premissas, como se "na vida tudo derivasse de um só fio da grande trama". Gostava de se perder em longos discursos e queixumes contra os professores de matemática, os causadores do pouco ânimo com que as gerações mais jovens encaravam a vida...Enfim, de resto este seria o seu único desgosto, homem pouco caprichoso portanto. Imagino o que diria o pobre coitado se hoje soubesse que o seu melhor aluno se tornara num desses "predadores da felicidade", imagino como me acusaria de aniquilar o espírito analista dos pobres seres recém chegados, renegando-lhes o gosto por perguntar e impingindo-lhes um "não sei que número de fórmulas intragáveis" e que em nada são úteis para o desenvolver racional humano. De certo que já se deram conta da minha fenomenal capacidade de divagação, num instante a fórmula fundamental da trigonometria para no exacto segundo depois indagar sobre os devaneios do professor Jeremias...Ai Amadeu, Amadeu!...Aí está, nome que sempre desgostei e que no entanto tenho de hipocritamente ostentar perante os 6,800,000,000 habitantes terrestres; é este amaldiçoar de identidade que talvez me tenha tornado num tão conformado ser. Quando dei por mim já a vida me convencera a viver nela,sem que eu sequer me opusesse, acabando por me sentar aqui, vai se lá saber porquê, acabando por me tornar professor quando esse nunca fora o meu desejo, foi o que a ocasião fez de mim...e quem fez a ocasião?
Reparo agora na rapariga em frente da minha mesa: debate-se com as ultimas gotículas de sumo que se recusam a fluir pela palhinha ("palhinha" palavra que de tanto pronunciar, jamais escrevera) acima, partilha olhares impacientes com o relógio, que desliza num pulso esguio, move inconformavelmente a cabeça para um lado e outro, talvez esperando a imagem que não surge numa paisagem tão banal, de certo espera alguém. Chama o empregado, vejo, pelos gestos já universais, que pede pela conta, mais uma vez a impaciência perturbadora, os dedos que torcem e retorcem (como és ágil doce mulher!) o tempo (há quanto tempo já não estás aí?!), paga, vai se embora. Se esperasses por mim, se ao menos houvesse quem esperasse por mim... e nisto estava eu, com a tal resma de testes para ver e os quais não via...Levantei-me também, talvez procurar novo sitio para devidamente exercer a minha função (desculpa escusada, assim como escusada fora a desculpa que a mim mesmo incuti quando decidi para aqui vir, supostamente, para "corrigir testes"), talvez segui-la, e porque não? olho de novo em relance para a mesa já abandonada, onde Ela estivera um bilhete, uma mensagem: "Enquanto te esperava morri! toco a minha valsa de despedida hoje à noite, às 21:30, no CCB". Intersectar o teu pedido ao teu interlocutor desaparecido ou deixar as rédeas ao destino? como se eu acreditasse em tal...Levo-o comigo: irei hoje ao CCB.