sábado, setembro 29, 2007

I
A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

II

Dia a dia mudamos para quem
Amanhã não veremos. Hora a hora
Nosso diverso e sucessivo alguém
Desce uma vasta escadaria agora.

E uma multidão que desce, sem
Que um saiba de outros. Vejo-os meus e fora.
Ah, que horrorosa semelhança têm!
São um múltiplo mesmo que se ignora.

Olho-os. Nenhum sou eu, a todos sendo.
E a multidão engrossa, alheia a ver-me, Sem que eu perceba de onde vai crescendo.

Sinto-os a todos dentro em mim mover-me,
E, inúmero, prolixo, vou descendo
Até passar por todos e perder-me.

III

Meu Deus! Meu Deus! Quem sou, que desconheço
O que sinto que sou? Quem quero ser
Mora, distante, onde meu ser esqueço,
Parte, remoto, para me não ter.

FERNANDO PESSOA

"AS GRUTAS" DE SPHIA DE MELLO BREYNER ANDERSEN



O esplendor poisava solene sobre o mar. E- entre as duas pedras erguidas numa relação tão justa que é talvez ali o lugar da Balança onde o equilíbrio do homem com as coisas é medido- quase que me cega a perfeição como o sol olhando de frente. Mas logo as águas verdes em sua transparência me diluem eu mergulho tocando o silêncio azul e rápido dos peixes. Porém a beleza não é solene mas também inumerável. De forma em forma vejo o mundo nascer e ser criado. Um grande rascasso vermelho passa em frente de mim que nunca o antes imaginaria. Limpa, a luz recorta promontórios e rochedos. é tudo igual a um sonho extremamente lúcido e acordado. Sem dúvida um novo mundo nos pede novas palavras, porém é tão grande o silêncio e tão clara a transparência que eu muda encosto a minha cara na superfície das águas lisas como um chão.
As imagens atravessam os meus olhos e caminham para além de mim. Talvez eu vá ficando igual à almadilha da qual os pescadores dizem ser apenas água.
Estarão as coisas deslumbradas de ser elas? Quem me trouxe finalmente a este lugar? Ressoa a vaga no interior da gruta rouca e a maré retirando deixou redondo e doirado o quarto de areia e pedra. No centro da manhã, no centro do círculo do ar e do mar, no alto do penedo, no alto da coluna está poisada a rola branca do mar.
Desertas surgem as pequenas praias.
Eis o mar e a luz vistos por dentro. Terror de penetração na habitação secreta da beleza, terror de ver o que nem em sonhos eu ousava ver, terror de olhar de frente as imagens mais interiores a mim do que o meu próprio pensamento. Deslizam os meus ombros cercados de água e plantas roxas. Atravesso gargantas de pedra e arquitectura do labirinto paira roída sobre o vento. Colunas de sobra e luz suportam céu e terra. As anémonas rodeiam a grande sala de água onde os meus dedos tocam a areia rosada do fundo. E abro bem os olhos no silêncio líquido e verde onde rápidos, rápidos fogem de mim os peixes. Arcos e rosáceas suportam e desenham a claridade dos espaços matutinos. Os palácios do rei do mar escorrem luz e água. Esta manhã é igual ao princípio do mundo e aqui eu venho ver o que jamais se viu.
O meu olhar tornou-se liso como um vidro. Sirvo para que as coisas se vejam.
E eis que entro na gruta mais interior e cavada. Sombrias e azuis são águas e paredes. Eu quereria poisar como uma rosa sobre o mar o meu amor neste silêncio. Quereria que o contivesse para sempre o círculo de espanto e de medusas. Aqui um líquido sol fosforescente e verde irrompe dos abismos e surge em suas portas.
Mas já no mar exterior a luz rodeia a Balança. A linha das águas é lisa e limpa como um vidro. O azul recorta os promontórios aureolados da glória matinal. Tudo está vestido de solenidade e de nudez. Ali eu quereria chorar de gratidão com a cara encostada contra as pedras.

Sentimentos (não) Inteligíveis


Passou mais de tantas mãos cheias de anos desde o teu desaparecimento, propositado (devo acrescentar)... é incrível como fui capaz de me absorver naquele breve momento do teu eclipse, que me esqueci de acenar ao tempo que passava.
Se me pudesses ver agora: desfiz as tranças e cortei o cabelo, mudei de trajes, cresci uns quantos centímetros; trabalho no hospital da zona como enfermeira, tenho dois filhos pequenos. Fui me transfigurando nestes instantes, que agora adultos, já são 20 anos!
Deixei-me sozinha na lua. Para crescer disse adeus, para crescer fugiste...todas as noites baloiço-me ao vento e finco os olhos lá onde as estrelas são sombras de imaginação, aceno a quem lá deixei e ela responde-me com um sorriso, a tua "gaiata"...! Os sons ondulantes do que dissemos, as frases desfraguementadas de uma recordação já intelectualizada e não pura. Tu dizias: "Tão depressa não! Ainda te magoas!", mas eu era obstinada e fazia-te correr, o mais que conseguias e podias, seguias-me cegamente, porque temias por mim e eu aproveitando-me disso, levava-te a todos os meus recantos.
Quando eramos pequenos, parávamos sempre junto ao poço, com os teus 3 anos de avanço, ganhavas-me em altura, pegavas-me ao colo (tinhas medo que caísse) e com os seixos com que enchias os bolsos das calças, lançavamo-los de uma vez só, diziamos que era a chuva a cair... Escotando os sons do mundo submerso, tão nossos como alheios, eramos felizes!

domingo, setembro 09, 2007

La valse d'Amélie


A tez de ébano que te sorri e se aproxima lentamente..sentes a melodia tocando "fortíssimo" no teu coração, porque o tempo é apenas "pianíssimo", absorto naquela miragem de Deuses, naquele esplendor roubado à lua. E um beijo que vem, quase inesperado, com as estrelas em testemunha. Um beijo na candura de uma bonina em flor...Ela que sorri, encostando-se em teu peito e sentes a imponência frente à vida! Ali, agora és a terra que alimenta as magnólias com que a confundes, és a brisa que brinca nos seus cabelos negros, és a fragância que a embebe...A serenidade que te faz amar, amar tanto!E, de repente, um sussuro tímido, que te diz: "Também te amo!".
Eu sei...



SE ESTE FOSSE O TEU ÚLTIMO DIA NA TERRA, COMO GOSTARIAS DE O "GASTAR"?

sábado, setembro 08, 2007

Quem se vê. Quem não se vê.




A diferença está em que uns se enxergam demais e outros simplestemente não o fazem!


Há quem apenas contemple o ego e quem aprecie a globalidade do EU e do OBJECTO.
O acto de "conhcer", o sujeito cognoscente e o objecto cognoscível, aquele que invade o outro, o que conhece e o que deixa conhecer, a imagem consciênte que se cria um no outro, são apenas passos que,ordinariamente, não são cumpridos. Porque o comum é sucumbirmos ao víros que desfraguementa, danifica e, por fim, elimina uma ou todas as etapas. Somos estranhos! estranhos jobilosos, estranhos melancólicos...gente que deambula com suposto rumo (sem rumo, meus caros!), para onde nos possam olhar de frente, queremos achar no olhar de quem nos vê (de quem julgamos ser capaz de nos ver, assim é melhor...) a forma pictórica que oferecemos ao mundo como ID. São pontes que lançamos! Pequenos gestos, por vezes incompreendidos, que nos tornam mais fortes e menos hesitantes. De repente, somos Davi que enfrenta o colossal Golias! A vida que seja, enfrentamo-la de peito e semblante erguido.
Milagres!(pois sim, na nossa candura.). Mas, também não são braços que APENAS se unem; em vez disso, IMPORTANTES corações que batem em uníssono e vozes que se entendem e se reconhecem no chinfrim de tantas vibrações (são timbres e alturas, intensidades, todas elas diferentes), rostos que se identificam na consciência eterna da memória e na precariedade do real. Aqui e ali: um só!
E, contudo, há ainda quem não se reconheça no olhar de ninguém; alamas solitárias que vagueiam como fantasmas, em jardins coloridos por quem se vê. E não se fazem ouvir, nem com o grito mais sonoro; e não se fazem entender, nem com a retórica mais delicada; e não se fazem gostar, nem com o mais terno dos abraços. DESVANECEM-SE, pura e simplesmente! Vão amolgadas e esburacadas por quem as pisa e não as vê...

O Sésamo


Era uma vez uma criança,
Um rapaz, na idade da esperança,
Brindado com o dom de sonhar,
Fazio-o sem parar.


Ouvira contar uma história prodigiosa,
Na qual queria participar...
Partira então para o infame Monte da Forca.
Chamejando o seu coração,
Aliciando a imaginação.


De lá gritara três vezes,
Três vezes gritara:
-Abre-te, Monte da Forca!


O Monte permanecera ocioso, na inércia da Natureza,
Arreado pelo chão,
Estropiado pela imaginação,
Por lá continuara cerrado.


O pequeno chorara, com o tormento da desilusão...
O anátema do seu sonho,
A realidade asquerosa,
Rebelara a maldita imaginação.


Ao longe o balido de uma ovelha,
Um novo ser brindava o mundo,
Era tempo de encoirar as mágoas,
Lograr o prodígio da vida.


Este poema foi escrito por mim, três anos antes, quando tive a ocasião de ler o conto do Miguel Torga: "O Sésamo".
Agora aprendi que, entre centenas de outras coisas, não sei escrever poemas...nem me atrevo. Sou comumente desajeitada e devia-me deixar de escrever de todo!

domingo, setembro 02, 2007

Pequininas partes da nossa realidade!

Oiço-te. Seguro-te a mão. Abraço-te. Digo que gosto de ti.
Oiço-te. Seguro-te a mão. Abraço-te. Digo que gosto de ti.
Oiço-te. Seguro-te a mão. Abraço-te. Digo que gosto de ti.

Tu gritas por ajuda. Deixas que te segure a mão. És abraçada. Ouves dizer-me que gosto de ti.
Tu gritas por ajuda. Deixas que te segure a mão. És abraçada. Ouves dizer-me que gosto de ti.
Tu gritas por ajuda. Deixas que te segure a mão. És abraçada. Ouves dizer-me que gosto de ti.

TU GRITAS POR AJUDA! NÃO DEIXAS QUE TE SEGURE A MÃO! NÃO QUERES SER ABRAÇADA! NÃO ACREDITAS QUE GOSTEM DE TI!

TU GRITAS POR AJUDA (PONTO).