quarta-feira, março 26, 2008

Chove. Sentes?

Chove-me um chorar gélido de lágrimas ansiosas e de angústia. Que arrepio é este que sinto? Está frio por me chover e chove-me por andar deambulando só pela metade. Vês estas gotas desfeitas ao tocarem no chão? Olha para mim e para elas. Que diferença pode haver?!

(Vídeo retirado do YouTube)

terça-feira, março 25, 2008

"Lisbon Revisited (1926)"- Álvaro de Campos


Nada me prende a nada.
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.
Fecharam-me todas as portas abstractas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.


Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...

Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago;
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.

Outra vez te revejo,
Cidade da minha infãncia pavorosamente perdida...
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...

Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar.
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligados por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?

Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.

Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -,
Transeunte inútil de ti e de mim,
Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
No castelo maldito de ter que viver...

Outra vez te revejo,
Sombra que passa através das sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
E entra na noite como um rastro de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir...

Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -
Um bocado de ti e de mim!...

domingo, março 16, 2008

Diários (sós)


20 de Agosto de 2008




Dói saber que se escreve com destinatário definido e, ainda assim, faze-lo com a certeza de que estas palavras serão irremediavelmente de mim para mim...

Passou-se o tempo e o meu corpo apodreceu mais uns anos. Gastou-se o tempo e o teu rosto tomou o lugar desse mesmo que se gastou (o tempo é neste mundo o que nunca se vai...): continuo vendo em mim o teu doce e profundo sorriso, ainda espero ver os teus olhos fechando-se só porque ris!

Deitei fora o teu diário. Depois do enérgico SOS que nele desenhei e sabendo eu que me havia tornado Robinson Crusoe e tu a maré dos naufrágios, havia que terminar o conto com a única forma de dignidade que ainda achava em mim: "Adeus!" . Foi assim e Morremos. Morreu o "uno" de que se fazia o nosso ser humano potente...Disjuntos somos só Eu-Tomás e Tu-Olívia. Resta-nos o frio gelado da metade que se foi e a certeza de que no mundo dos Deuses somos agora um esboço riscado e traçado a vermelho( há um golpe que não sara no coração), tão, mas tão rasgado!Resta-nos? Perdoa-me, Resta-me! E "resta-me" ainda mais por saber que fui eu que te beijei a face em despedida.

Sei de ti. Hoje, ainda sei de ti. Todas as vezes que posso, deixo-me estendido, por detrás do que seja, vendo-te chegar. Assim, apercebo-me que neste mundo ainda, Olívia, estás e de que na minha lembrança não ficou meramente o teu rosto intelectualizado. Quero-o verdadeiro, inteiro..Quero-o perfeito, como todas as rosas que te tenho colhido por todos estes anos (e nunca soubeste delas..). Os laivos de ti, fazem-me saber-te viva e cada vez menos minha, isto porque de certo não há laivos meus porque procures... Chego a amaldiçoar todos os outros que te podem adivinhar mais que viva! Creio então ser o teu Lucifer, anjo corrompido que te vigia os sonhos e te cinge (em desejo) da vida..
Tomás


quinta-feira, março 06, 2008

Extractos: "A Tabacaria" - Álvaro de Campos

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."