
-Porque acabou tudo entre nós, Giovanni?
-O quê? Ainda te recordas de que existiu alguma coisa entre nós?
-Porque havia ter esquecido?
-Tens pena?
-Não, não. Tenho pena no sentido de que, se tivéssemos continuado, estaria hoje casada, e assim não estou.
-O receio de ficar solteira?
-Não é o receio de ficar solteira. É o receio de que a minha vida continue sempre a mesma coisa.
-Crês que mudaria?
-Não sei. Provavelmente não. E nesse caso talvez seja, de facto, o receio de ficar solteira.
-Nunca cheguei a uma conclusão. Gostavas de mim?
-Não antipatizava contigo. E tu?
-Enquanto convivi contigo suponho que gostava. Suponho que não poderia passar sem ti. Lembras-te? Várias vezes terminámos tudo entre nós. Durante dois ou três dias em que tudo estava acabado, eu era terrivelmente infeliz. Infeliz, a sério, percebes? Não sabia como passar o tempo. Mas da última vez, quando foste passar as férias já não sei aonde, precisamente no momento em que nos zangámos, não tive remédio senão preencher o tempo e habituar-me a passar sem ti. E foi então, aí ao décimo dia sem ti...descobri que eras apenas um hábito que poderia ser substituído por outro hábito, e nada mais. Por outro mau hábito. Tinha aprendido a jogar xadrez.
-És cruel.
-Não.
-Curioso, nunca chegaste a ser para mim um hábito; nem bom, nem mau.
-Então?
-Quando me encontrava contigo, quase sempre preferia não me encontrar. Outras vezes gostava de ir, não por ti, mas porque me beijavas, porque me abraçavas...
-Mesmo no princípio, mesmo quando fomos a San Miniato?
-Não. No princípio gostei de ti.
-Tinhamos combinado ir lá, de manhã choveu...Mas tivemos sorte, a tarde pôs-se bonita.
-Passei a manhã a olhar para as nuvens.
-E eu.
-Mas nunca mais.
-Em vez de te encontrares comigo, que preferias tu fazer?
-Já não me lembro. Às vezes, não fazer nada, ficar em casa. Mas essa era também uma das razões por que eu gostava de estar contigo: sair de casa, dar um passeio.
-És cruel.
-Não.
-Ouve, Ana: se não fosse a tal questão...Não me lembro já o que foi, lembras-te?
-Vagamente.
-Se tu não fosses de férias nessa altura?
-Não tetias descoberto que eu era um mau hábito.
-E tu? Terias descoberto que eu não era nem deixava de ser...?
-Eu já sabia...
-És cruel.
-Não.
-Então?
-Deixarias as coisas continuar.
-Tens a certeza?
-Estaríamos hoje casados.
-Seria horrível.
-Porquê?
-Ainda mo perguntas?
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-Rosabianca, afinal não tens cabelos verdes!
-Verdes?
-Sim. Eu pensava...Pelo menos não podia pensar que não fossem verdes...E que não tivesses sido salva por mim do fogo!
-Do fogo?
-Sim. Porque te admiras? Do fogo. E nunca foste enfermeira.
-Enfermeira?
-Porque perguntas? Não posso gostar de ti, Rosabianca! Pensei que tinhas os cabelos verdes e que te salvava do fogo...Mas nada disso sucedeu.
-Giovanni! Se queres, pinto de verde os cabelos, subo para um quarto andar e deito-lhe fogo. Salvas-me?
-E fico ferido? Serás a minha enfermeira?
-Sim, se quiseres serei a tua enfermeira.
-Está bem, Rosabianca. Sobe lá para o telhado que eu vou deitar fogo á casa.
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-É verdade o que me afirmaste da outra vez?
-Que te disse eu?
-Que seria terrível se tivesses casado comigo porque então não seria fácil encontrares a Rosabianca.
-É verdade.
-E continuas a gostar dela?
-Continuo, Ana.
-E sentes que nunca mais poderás gostar de outra mulher?
-Sinto.
-Deveras?
-Não sei.
-Vas casar com a Rosabianca?
-Não sei, não sei. Amo a Rosabianca, mas às vezes penso que isso não significa que seja incapaz de amar as outras ao mesmo tempo.
-Que esperas da Rosabianca?
-Esta noite voltei a sonhar que salvei do fogo uma menina com cabelos verdes. Nunca te contei?
-Serias capaz de voltar a gostar de mim, Giovanni?
-Não.
-Serás um dia capaz de voltar a gostar da Rosabianca?
-Que queres dizer?
-Que não tenhas ilusões, Giovanni. Dentro de dois meses as tuas hesitações serão ainda maiores. E, de repente, descobrirás que a deixaste de amar. Não saberás como foi, mas será assim. E verás então: o que sempre te interessa não é o amor conquistado, mas o esforço para o conquistares. Ou melhor: amas o momento em que o amor se inicia, é a infância do amor que tu amas, as hesitações do princípio. Porque não te fazes alpinista?
-Não, não é verdade. Amo a Rosabianca, nunca poderia deixar de gostar dela.
3 pegadas:
Bonito! =) Prendeu-me do principio ao fim!
Fogo, adorei... Prendeu-me também, completamente...
Voltei a encontrar este blog. E que bom.
Quanto a mim, este texto não me prendeu, libertou-me. Gostei muito. Não achei bonito, achei real. Cruel, mas real. Por detrás destas palavras, senti uma crueldade que fere, mas que nos agrada ler.
Sádico, não?
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