sexta-feira, julho 20, 2007

DIÁLOGOS D' "A CIDADE DAS FLORES" DE AUGUSTO ABELAIRA




-Porque acabou tudo entre nós, Giovanni?

-O quê? Ainda te recordas de que existiu alguma coisa entre nós?

-Porque havia ter esquecido?

-Tens pena?

-Não, não. Tenho pena no sentido de que, se tivéssemos continuado, estaria hoje casada, e assim não estou.

-O receio de ficar solteira?

-Não é o receio de ficar solteira. É o receio de que a minha vida continue sempre a mesma coisa.

-Crês que mudaria?

-Não sei. Provavelmente não. E nesse caso talvez seja, de facto, o receio de ficar solteira.

-Nunca cheguei a uma conclusão. Gostavas de mim?

-Não antipatizava contigo. E tu?

-Enquanto convivi contigo suponho que gostava. Suponho que não poderia passar sem ti. Lembras-te? Várias vezes terminámos tudo entre nós. Durante dois ou três dias em que tudo estava acabado, eu era terrivelmente infeliz. Infeliz, a sério, percebes? Não sabia como passar o tempo. Mas da última vez, quando foste passar as férias já não sei aonde, precisamente no momento em que nos zangámos, não tive remédio senão preencher o tempo e habituar-me a passar sem ti. E foi então, aí ao décimo dia sem ti...descobri que eras apenas um hábito que poderia ser substituído por outro hábito, e nada mais. Por outro mau hábito. Tinha aprendido a jogar xadrez.

-És cruel.

-Não.

-Curioso, nunca chegaste a ser para mim um hábito; nem bom, nem mau.

-Então?

-Quando me encontrava contigo, quase sempre preferia não me encontrar. Outras vezes gostava de ir, não por ti, mas porque me beijavas, porque me abraçavas...

-Mesmo no princípio, mesmo quando fomos a San Miniato?

-Não. No princípio gostei de ti.

-Tinhamos combinado ir lá, de manhã choveu...Mas tivemos sorte, a tarde pôs-se bonita.

-Passei a manhã a olhar para as nuvens.

-E eu.

-Mas nunca mais.

-Em vez de te encontrares comigo, que preferias tu fazer?

-Já não me lembro. Às vezes, não fazer nada, ficar em casa. Mas essa era também uma das razões por que eu gostava de estar contigo: sair de casa, dar um passeio.

-És cruel.

-Não.

-Ouve, Ana: se não fosse a tal questão...Não me lembro já o que foi, lembras-te?

-Vagamente.

-Se tu não fosses de férias nessa altura?

-Não tetias descoberto que eu era um mau hábito.

-E tu? Terias descoberto que eu não era nem deixava de ser...?

-Eu já sabia...

-És cruel.

-Não.

-Então?

-Deixarias as coisas continuar.

-Tens a certeza?

-Estaríamos hoje casados.

-Seria horrível.

-Porquê?

-Ainda mo perguntas?
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-Rosabianca, afinal não tens cabelos verdes!

-Verdes?

-Sim. Eu pensava...Pelo menos não podia pensar que não fossem verdes...E que não tivesses sido salva por mim do fogo!

-Do fogo?

-Sim. Porque te admiras? Do fogo. E nunca foste enfermeira.

-Enfermeira?

-Porque perguntas? Não posso gostar de ti, Rosabianca! Pensei que tinhas os cabelos verdes e que te salvava do fogo...Mas nada disso sucedeu.

-Giovanni! Se queres, pinto de verde os cabelos, subo para um quarto andar e deito-lhe fogo. Salvas-me?

-E fico ferido? Serás a minha enfermeira?

-Sim, se quiseres serei a tua enfermeira.

-Está bem, Rosabianca. Sobe lá para o telhado que eu vou deitar fogo á casa.









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-É verdade o que me afirmaste da outra vez?

-Que te disse eu?

-Que seria terrível se tivesses casado comigo porque então não seria fácil encontrares a Rosabianca.

-É verdade.

-E continuas a gostar dela?

-Continuo, Ana.

-E sentes que nunca mais poderás gostar de outra mulher?

-Sinto.

-Deveras?

-Não sei.

-Vas casar com a Rosabianca?

-Não sei, não sei. Amo a Rosabianca, mas às vezes penso que isso não significa que seja incapaz de amar as outras ao mesmo tempo.

-Que esperas da Rosabianca?

-Esta noite voltei a sonhar que salvei do fogo uma menina com cabelos verdes. Nunca te contei?

-Serias capaz de voltar a gostar de mim, Giovanni?

-Não.

-Serás um dia capaz de voltar a gostar da Rosabianca?

-Que queres dizer?

-Que não tenhas ilusões, Giovanni. Dentro de dois meses as tuas hesitações serão ainda maiores. E, de repente, descobrirás que a deixaste de amar. Não saberás como foi, mas será assim. E verás então: o que sempre te interessa não é o amor conquistado, mas o esforço para o conquistares. Ou melhor: amas o momento em que o amor se inicia, é a infância do amor que tu amas, as hesitações do princípio. Porque não te fazes alpinista?

-Não, não é verdade. Amo a Rosabianca, nunca poderia deixar de gostar dela.

3 pegadas:

Anónimo disse...

Bonito! =) Prendeu-me do principio ao fim!

Mariana disse...

Fogo, adorei... Prendeu-me também, completamente...

Sofia disse...

Voltei a encontrar este blog. E que bom.

Quanto a mim, este texto não me prendeu, libertou-me. Gostei muito. Não achei bonito, achei real. Cruel, mas real. Por detrás destas palavras, senti uma crueldade que fere, mas que nos agrada ler.

Sádico, não?